Após uma eficiente orientação escolar, ouvir muito conselho de pai-de-santo, de debater com amigos tendo como testemunha várias tulipas e, principalmente, ter conseguido ouvir a voz interior, cheguei à finita conclusão que a verdadeira ponte para a liberdade liga a maternidade ao cemitério. Depois dos quarenta, esta afirmativa fica cada vez mais latente. Você agora é um cara realmente feliz, paciente e franco. Você agora está feliz com o seu plano de saúde, é um assíduo paciente em sala de espera de consultório e diz a mais pura verdade ao seu médico. Neste momento da sua vida há uma grande transformação, uma mudança radical de valores. Você, ao completar os seus quarenta, está uma pessoa em alta. Em alta com sua taxa de açúcar, com a pressão alta, com o psa alto, com o colesterol alto. Menos você. Você está cada vez mais curvado.
Mas enquanto os exames provem do sangue, tudo bem. Mais tarde, o lado sádico da medicina vai te abraçar como serpente faminta. É um tal de enfiar canudinho no ouvido, no nariz, na boca, pinga colírio para isso, pinga para aquilo. Fica em jejum ou toma cinco litros de água, abre a boca, olha pra lá, levanta o braço, estica a perna, dobra o joelho, puxa dali, puxa daqui. Ufa! E tem a lacrimejante história do dedo. Esta, eu nem quero comentar. É muito humilhante.
Nesta fase da vida, um torresmo fritinho de botequim passa a ser um anel da H.Stern. Você quer, mas não pode! A feijoada tem que ser magrinha e só uma vez por mês, no máximo. Churrasco sem exageros, bebidas moderadas, nada de muita massa, sal nem pensar e açúcar, é melhor nem comprar. Refrigerante engorda, doce piora, chocolate na cai bem e camarão…aumenta seu triglicerídeo.
Um novo cardápio é apresentado a você, que mais parece ter sido criado pela bruxa e o lobo mau. Alface, cebola, cenoura, sopa, peixe cozido, iogurte, muito suco e água. Tudo muito dosado, ou seja, um pouquinho de nada de cada coisa. De sobremesa, um quarto de fruta. Não há humor que agüente esta rotina ditatorial. A morte, neste momento, lhe parece mais prazerosa do que encarar um tiquinho de suflê de legumes com uma ingênua fatia de peito de frango. Enquanto isso, na sua frente, um monte de gente se deliciando com tudo que lhe foi regiamente proibido. Uma sacanagem…
Mas você enfrenta tudo isso com muita coragem, crente que um dia, isso vai passar. Que nada! Só tende a piorar! Aos quarenta inicia-se a imposição da lei da gravidade. Tudo começa a despencar. Os peitos cansam, a barriga dobra, os cabelos se suicidam, as olheiras se tornam pequeninas conchas, as maças do rosto já não são mais tenras, as pálpebras começam a descansar sobre os olhos, os joelhos não se agüentam, e vai por aí. É o peso da idade, dizem. Aos quarenta, um quilo fica mais pesado, um metro fica mais longe e um litro é muita coisa.
Pior que este estágio de “aguarde a sua vez” é lembrar que aos vinte, você afirmava que tudo isso era papo de velho. Mas hoje, você não se acha velho, não é? Apenas levemente cansado pela experiência adquirida. Esta experiência lhe serve para, aos quarenta, dizer que trocou quantidade por qualidade; mas todos sabem que isto serve apenas para encobrir uma situação óbvia.
Mas nada como uma caminhada matinal para afastar as doenças. Caminhar faz bem! Principalmente aos obesos e aos cardíacos. Aumenta sua resistência. Mas como assim? Simples. Quando você fizer um enfarto, você resiste até chegar a ambulância. Entendeu agora porque caminhar é bom? Se você cair duro antes da ambulância chegar, quem vai atestar que você bateu as botas? Ninguém. Vão te levar para o IML, e aí você já sabe, né? Você vai continuar dando trabalho até depois de morto. Por favor, não seja um morto mala! Morra na boa, sem encher o saco dos outros. Vá caminhar! Quem sabe você não escreve uma crônica aos cinqüenta? Se lembrar, escreva!
Um comentário:
Simplesmente perfeito. O pior de tudo, pra mim, é o não se sentir velho! Ou será que isso é bom? O corpo diz uma coisa, os filhos concordam com o corpo, o espelho faz corinho, mas a gente ainda é a mesma pessoa. Lamentável.
Seu texto é muito bom, Luciano. Minha modesta opinião.É bom de ler.
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